domingo, 31 de maio de 2009

Uma Reverência à Machado de Assis

059

A importância de MACHADO DE ASSIS um século após sua morte.

MOINHO-DE-VENTO

Que o alquebrado Cavaleiro da Triste Figura lançou-se em luta vã contra velhas e desgastadas lâminas de moinhos-de-vento, revivendo glórias passadas, coisa é que consterna! O que não consternará, é se Joaquim Maria Machado de Assis vazar de entre as letras dos que se propõem ao concurso, promovido pela Academia Brasileira de Letras e Folha Dirigida, e, com a caneta crítica da realidade, e a tinta mordaz da História, destruir as carcomidas lâminas deste gigantesco moinho-de-vento brasileiro chamado educação escolar.

Suposto o objetivo do concurso de redação com foco na “valorização do magistério e o fortalecimento da língua”, inclino-me ao afã continuado da estrutura educacional no sentido de efervescer o potencial Machadiano em cada um dos corações estudantes brasileiros.

Ocorreu-me conotar o “homem-menino” Machadinho expurgando o pensar falacioso de que nossos jovens têm-se corrompido por um capricho do mundo moderno globalizado.

Eia! Vamos à narrativa que nossa ventura há de se consumar!

UM PIPAROTE

Em uma manhã de um dia chuvoso, ouviram-se passos rápidos de um homem centenário; passos firmes, decididos, apesar da avançada idade; Quincas Borba trazia o sorriso largo de quem honra um compromisso há muito jurado; liquida uma promissória vencida. Precisava encontrar Dona Inês e fazê-la crer de sempre que a morte de Machadinho é uma realidade inconteste. As ruelas do morro do Livramento estavam sufocadas com a água que afluía pelas encostas procurando abrigo no leito do subsolo.

Dona Maria Inês, uma senhora robusta, mulata, não denunciava no rosto e corpo o tempo já vivido; saíra cedo de casa quando foi surpreendida pela chuva e regressava. Seu guarda-chuva era arremetido ao chão de barro ensaboado e íngreme do morro na tentativa de superá-lo em força bruta. Ao vê-la em sua escalada, o centenário Quincas Borba ansiosamente tenta alargar o passo para, enfim, comunicar-lhe da morte de Machadinho.

Todos do morro já se preparavam para as exéquias; o comunicado circulara de boca em boca. Dona Maria Inês não tinha mais como contestar; devia aceitar o que a providência já acertara há cem anos. – Mataram o Machadinho!

Dona Maria Inês, olhar compungido, deixa-se molhar por lágrimas cálidas e pingos de chuva numa languidez já eternizada da fragilidade humana. Quincas dá-se por vencedor e espera, aturdido, num silêncio ensurdecedor... Sente-se como vencido na sua vitória...!

-Acresce, - monologa Dona Maria Inês - haver no contrato Adâmico uma cláusula de resgate da dívida da vida humana; contudo, esse instrumento universal sofre, algumas vezes, uma injunção superior que ordena a sanção da supressão dessa; e o homem imortaliza-se, e a vida rega-se e renova-se... Bendita sanção!

Elevando o olhar ao encanecido Quincas Borba, fixando-o, explode num misto de ternura e censura: - Isso é causa de suas inventivas malucas. O Sr. vive a rogar essa desgraça por tanto tempo... Que seria do Livramento não fosse o esforço, o empenho, a dedicação do Machadinho a ensinar adultos e crianças a ler e a escrever!? Não jure à razão, que esta é temperada por uma boa dose de sandice; a morte, pode ser que te acompanhe por todos os anos já vividos, mas ela é o berço da vida! Contenta-te em acreditar que o exemplo amigo de trabalhador docente transformará essa gente brasileira em povo liberto.

O velho e cansado espírito do Quincas Borba senta-se desconsolado no barro molhado e, instintivamente, esculpe uma imagem. Quando pronta, olha-a e desdenha-a: assim o povo o quer; no que a imagem responde: - Não insistas nesse absurdo de minha morte ou dou-te um piparote, e adeus que nossa ventura há muito já começou.

“Viva pois a história, a volúvel história que dá para tudo”.(Brás Cubas);

João Ricardo Miranda.

Vitória, 2008.